quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Caminhos de Eschwege

    As  Minas Gerais evocam seu próprio nome para falar de si. Daqui brotam minerais gerais. Até hoje com a água mineral, o minério de ferro, o topázio imperial...   
    Com a vinda da corte real portuguesa para os lados de cá, várias expedições científicas foram motivadas e fomentadas. Entre os exploradores aqui aportados podemos citar os naturalistas Georg Wilhelm Freyreiss, o zoologo Johann Baptist Spix, o botânico Carl Friedrich Philipp Martius, o naturalista August de Saint-Hilaire, entre outros nomes importantes da história natural, a geografia e a etnologia
    Chamado por D. João o explorador alemão, o Barão Wilhelm Ludwig von Eschwege, "veio ao Brasil em 1810,(...) para reanimar a decadente mineração de ouro e para trabalhar na nascente indústria siderúrgica."
    Durante onze anos Eschwege percorreu várias vezes as estradas do Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás e principalmente as de Minas Gerais, como a Estrada Real. Seu legado científico é fundamental para conhecer "as cousas brasileiras", tal como o estudo Pluto brasiliensis, o primeiro manual da Geologia Econômica do Brasil. 
    Em seus relatos temos ainda informações riquíssimas dos índios coroados, coropós e puris. Eschwege foi um verdadeiro brasilianista. Dentre as viagens feitas por ele temos o registro detalhado do percurso que se estende de Vila Rica, atual Ouro Preto, até Visconde do Rio Branco, na Zona da Mata mineira.
       Esse percurso, esse caminho, ainda existe. E grande parte dele, em boas condições de uso, pode ser feito ainda hoje. Sabendo dessa possibilidade um grupo de amigos percorreu de bicicleta o trecho entre Mariana e Guaraciaba.
    A expedição feita por Eschwege em 1814/1815 usou barômetros e termômetros. A descrição do espaço pedalado ficou registrado por modernos equipamentos de georreferenciação, como podemos ver abaixo. Apesar das diferenças tecnológicas a travessia foi feita com grande aproximação do percurso entre as expedições. 




       A riqueza encontrada nesse caminho entre as duas cidades nos proporciona uma viagem cultural inestimável. Vale notar sua história com mais de 200 anos de existência.
       Outro aspecto valioso são as duas capelas barrocas que encontramos ao percorrê-lo. Já em Mariana, a primeira cidade, capital e bispado das Minas Gerais encontramos essa riqueza. Com suas igrejas ornamentadas por artistas como Manuel da Costa Athaíde, Antônio Francisco Lisboa e Francisco Manuel Carneiro, lá foi o início da aventura. 

   
Igrejas de São Francisco de Assis e Nossa Senhora do Carmo 
      Após um tempo, subindo e descendo serras, chegamos ao distrito de Pinheiros Altos.
    O lugar, bucólico e agradável, com toda a sua simplicidade também guarda riquezas imensas da nossa história. A capela de Nossa Senhora do Rosário é uma dessas joias muito bem preservada. 
   Com um estilo arquitetônico peculiar daquele momento artístico sua construção é um convite à contemplação e à reflexão.


Capela de Nossa Senhora do Rosário
      Pinheiros Altos faz parte do município de Piranga, uma das mais antigas cidades mineiras. O distrito é também o lugar onde nasceu e estudou Cesário Alvim o primeiro governador de Minas Gerais na era republicana. Cesário Alvim é também bisavô de Chico Buarque de Holanda.

Museu e Memorial Cesário Alvim
      O caminho que pode ser percorrido de vários modos, além da bicicleta, passa por fazendas centenárias, regatos e ribeirões diversos e proporciona um contato único com a natureza. As experiências sensoriais variam de um canto de pássaro ou um chiado de grilo, a um aroma de jacarandá, ou de capim gordura, trazido pelo vento.
        Outra riqueza encontrada pelo caminho é a capela de São João, na comunidade de mesmo nome, já no município de Guaraciaba. Sua provisão episcopal é de 1749 e suas características remetem àquela arquitetura barroca predominante no vale do Piranga.  

Capela de São João

      A capela serviu de referencial para os vários caminhantes e expedições daquela época e guarda, ainda hoje, importância especial para toda a região. Seu interior é simples e convida a um momento de paz e tranquilidade.

Detalhes da capela do cemitério e da mata
      A aventura vivida pelos ciclistas nos leva a repensar o modo de vivenciar as artes. Ao unificar esporte, lazer, experiências sensoriais e estéticas e um contato direto com a natureza, essa aventura ciclística nos propõem formas extraordinárias de relação humana.  E surge como um modo privilegiado de fazermos os percursos barrocos.



Referência

ESCHWEGE, Wilhelm Ludwig von.
Jornal do Brasil, 1811-1817: ou relatos diversos do Brasil, coletados durante expedições científicas. (...) Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 2002.